por Maria João Lopo de Carvalho
Gramamos a família porque a hereditariedade nos impõe, gramamos o marido (ou
a mulher) porque o escolhemos de livre vontade, mas gramamos os colegas de
trabalho porque nos calham na rifa e temos de levar com eles em cima, a bem
ou a mal, na melhor das hipóteses, sete horas por dia. Ou seja: a família,
quando muito, aos domingos e feriados; o marido e os filhos, duas, três
horas por dia, no máximo (metade das quais a ver televisão ou a partilhar
tarefas domésticas); e os outros, para os quais não fomos ouvidos nem
achados, dispõem de mais tempo e de mais espaço do que toda a nossa vida
somada. É com eles que rimos, choramos, que nos irritamos, que amuamos, que
lixamos ou somos lixados, que vamos à bica e às compras, é a eles que
avaliamos, que ajudamos, são eles os nossos carrascos e cúmplices, os nossos
amigos ou, pior, os nossos principais inimigos.
É no trabalho, acho eu, que
revelamos as nossas grandes capacidades e virtudes, mas também, e como há
tempo para tudo, o pior que o ser humano tem: a inveja, o rancor, a
vaidade, a intriga, o orgulho, a luxúria (enfim, todos sabem como e porquê.
'Ai, você hoje está linda...', 'Acha dr?', 'Não acho, tenho a certeza, brilha como a lua).
O ambiente de trabalho é assim, muitas vezes, uma impiedosa arena do circo
Romano, onde se mata quem é fraco, sobrevive quem é forte. É esta a tragédia
da questão. Competitividade e matança são armas letais de significado
idêntico - desafie-se o poder! Mas como perder ninguém quer, ligamos a
competição à ambição (a longo prazo) e à ganância (a curto prazo), tudo em
circuito fechado, para que a via-sacra da matança seja forte demais e
excitante demais para a conseguirmos abafar. (...)
Há sempre um gajo porreiro em que nós escudamos e que, de facto, não nos
quer tramar às primeiras; um gajo que tem dias e que ora amanteiga para
direita, ora amanteiga para a esquerda - é o gajo que quando a coisa corre
bem foi ele próprio que a fez (é 'muita bom'), quando corre mal, fomos nós,
pobres inexperientes e ele até se fartou de nos avisar, infelizmente não
acreditámos no seu teatro.
Adoro a tribo dos manteigueiros frenéticos: aqueles que só saem depois do
chefe nem que fiquem a jogar paciências no computador, que nos desfazem em
strogonof pelas costas, que controlam as nossas entradas e saídas de cena,
bichanam com os seus superiores e ajustam contas com as secretárias e o
pessoal, a quem com tanta alma chamam 'menor', baralhando sem pudor
humilhação com humildade. Prefiro o folclore dos que gritam como ovelha a
ser degolada mas que depois se redimem ao acrescentarem uns parágrafos
triunfais na 'porra' do dossiê.
Nós os portugueses adoramos reunir. Podemos não fazer a ponta de um corno,
mas reunir tem de ser. Basta reunir e já está! Não é nunca o ponto de
partida, é sempre o ponto de chegada. E antes de reunir gostam de planear a
estratégia para tramar o parceiro. Pode não haver estratégia para mais nada,
mas para tramar o colega do lado, aqui vai disto.
Agressividade quanto baste, é a metodologia para chegar ao poder.
Todos conhecem a cartilha, a crú ou difarçada de fada boa.
Em suma, os portugueses acham que para serem melhores têm de arranjar alguém
para mau da fita, é a teoria dos vasos comunicantes em todo o seu esplendor.
É com 'vasos' destes - que à partida não são nem amigos, nem filhos, nem
marido, nem sequer os escolhemos num menu - que temos de partilhar o cheiro,
a voz, e o génio; das ramelas, à barba por fazer; das malhas na meia ao
rímel esborratado, todas as horas, todos os dias, todos os anos. É tudo uma
questão de 'ambiente' no trabalho!
(Achei este texto "delicioso"!)
8 comentários:
realmente, o ambiente de um local de trabalho é um factor importante e influenciador de muita coisa.
há que sabermo-nos adaptar da melhor maneira, pois a não ser que sejamos chefes, teremos sempre alguém acima (ou ao lado até, eventualmente abaixo)de nós a chatear-nos com merdas.
com calminha vais lá mari
xau*
Para nao dizeres que nao sou tua amiga. Vão estar amanha no Cais do Sodre as 8.30h da manha, as 13h e as 18h!! Convem ires uma hora mais cedo pra te inscreveres e depois é so soltares as cordas vocais ahahah :D E depois vamos Amyzarrrrrrrr!!!
Aaaaah e 6º na Alameda :p
Um bom texto relator do meu dia à dia, especialmente na parte «Nós os portugueses adoramos reunir. Podemos não fazer a ponta de um corno, mas reunir tem de ser. Basta reunir e já está! Não é nunca o ponto de partida, é sempre o ponto de chegada.», nada mais real que isto ... já ando farto de tanta reunião ... e depois no final do mês, de ter tido quase 30 reuniões, ainda é preciso mais uma reunião para se tentar entender que conclusões finais foram tiradas de tanta reunião. Eu tiro sempre a mesna conclusão (algo que lá tenho que dizer em silêncio, mas aqui digo alto e em bom som)
!!NÃO SE CONCLUIU A PONTA DE UM CORNO!!, só perca de tempo e dinheiro. Mas enfim o que vale é que os consumidores é que pagam :(.
Triste pais este.
Jinhos***
Ah Leila dear, delicioso é a palavra certa!
E verdadeiro, e verrinoso... e sabes que mais? Nem sequer é apanágio dos Portugueses! Nós é que temos umas lentes cor-de-rosa quando olhamos para o que se faz lá fora!
Beijinhos!!!
(Já vomito acórdãos, penso em termos de explanação teórica e sonho com teorias esquisitíssimas, que não existem nem nunca vão existir! E ainda bem!!!)
Com muita pena minha, não é uma empresa que se adapta a nós, mas sim nós à empresa.
Realmente, um Gande Post.
xaxau
também eu achei o texto delicioso por ser tão realista. não no meu caso, sou uma bruxa de sorte, mas na maioria.
um beijo*
aih aih...
bom fim de semana :)
bjinhos
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